Existe um momento na vida de um ser humano que ele
experimenta um sentimento mais forte que seu instinto de conservação ou seu
amor próprio. Muitos chamam de empatia, ou amor. Mães o sentem por seus filhos,
alguns amantes compartilham desse laço, irmãos muitas vezes criam um elo dessa
forma e mesmo grandes amizades são guiadas por essa sensação. Essa sensação nos
define como seres humanos e é aquilo que de melhor há em nós. Mas e se
soubéssemos que iríamos nos machucar nesse processo, que a relação seria dolorosa
no longo prazo e haveria muito sofrimento envolvido? Se pudéssemos escolher
viver esse amor, sabendo como seria essa experiência antes de vivê-la, será que
mesmo assim a viveríamos? Por mais dolorosa que fosse? É sobre a complexidade
dessas questões que o mais novo filme do cineasta Denis Villeneuve, “A
Chegada”, trata. Quando seres extraterrestres pousam suas "naves" na Terra, uma linguista é chamada para tentar se comunicar com os alienígenas e descobrir as suas intenções. Denis Villeneuve, assim como fizera em filmes
anteriores, como “O Homem Duplicado” ou “Sicario”, mostra que independente do
enredo que tem em mãos, a direção contida, precisa e cirúrgica, aliada a uma
fotografia, nesse caso de Bradford Young, que rima tematicamente com o longa, e
uma trilha sonora, aqui do brilhante Jóhann Jóhannsson, que nunca mastiga as
emoções para o espectador, evitando dizer o que ele deve sentir em cada
momento, tudo isso é capaz de construir um cinema envolvente e digno dos
grandes mestres.
A direção de Villeneuve não tem pressa em
estabelecer os fatos, a montagem de Joe Walker conta com cortes secos que
transitam entre as situações narradas com muito ritmo e fluidez, contando com
uma introdução das mais poéticas, líricas e tocantes, que já serve para
estabelecer a Dra. Louise Banks em poucos minutos de filme. Quando o longa
passa a tecer discussões sobre memória e tempo, é praticamente impossível de
deixar de notar como a montagem cinematográfica é capaz de fragmentar o tempo
de maneira muito parecida como o nossa memória é capaz fragmentar as
lembranças.
A fotografia dessaturada, variando entre o uso cinza
e do amarelo árido, combina com as emoções da personagem interpretada por Amy
Adams, constrói o clima melancólico do filme e torna o CGI usado ao longo da projeção
muito orgânico. A trilha sonora possui temas que evocam o caráter meticuloso da
narrativa e constroem um clima que vai estabelecendo o caráter lírico da trama.
Amy Adams como Louise Banks é o coração do filme, apresentando
uma atuação perfeita. O seu entendimento de Louise é completo, construindo
todas as nuances da personagem de maneira coerente e realmente tocante, além da
inteligência e sagacidade da personagem ao exercer o seu ofício de linguista.
Quando nos aproximamos do desfecho do longa é que notamos o grau de coerência
estabelecido pela atriz em sua personagem, algo que a montagem ajuda a construir
também. Jeremy Renner encarna o físico Ian Donnelly, deixando em evidência a
sua paixão pela ciência e sua competência, além de conferir momentos de humor em
contraste à tensão construída pelo longa, produzindo um forte equilíbrio na
narrativa. Forest Whitaker vive o seu coronelWeber num misto de autoridade e
inteligência, num tom ponderado, conseguindo formar um grupo perspicaz com
Louise e Ian, à medida que vão tentando se comunicar com os seres alienígenas. É
nessa tentativa que o longa começa a discorrer sobre a heterogeneidade da raça
humana, sobre a falta de união da humanidade e sobre os preconceitos, medos e a
agressividade decorrente da presença daquilo que é diferente (no caso do filme,
as naves alienígenas, mas a metáfora é clara e convidativa). A presença e do
agente Halpern, interpretado por Michael Stuhlbarg exerce essa função. Assim
como em “Contato”, de Robert Zemeckis, o cenário construído é bem realista no
que se refere às reações que haveriam caso fôssemos visitados por outros seres
pensantes.
Toda a discussão sobre a linguagem como expressão da
maneira de pensar, sobre pensamento linear e não-linear e a decodificação da
mensagem é envolvente, momento em que o filme vai construindo um clima racional
e lógico muito bem encadeado, gerando curiosidade em relação à mensagem
recebida e algumas conclusões sobre interpretação e tradução. O filme aborda
muito bem a noção de que antes que se queira saber o que se quer comunicar, a
língua em que se comunica é a principal ferramenta de transmissão de ideias.
Note quando, em dado momento do longa, ocorre a menção que está sendo utilizada
uma linguagem referente a um jogo, evidenciando o quanto a escolha é
inapropriada e perigosa. Podemos verificar o quanto o filme acerta em tratar o
tradutor praticamente como um autor, ou coautor, do texto traduzido, pois este
dita o tom e a conotação da mensagem construída e necessita ter uma percepção e
interpretação plena do conteúdo da mensagem.
Mas é no seu desfecho que toda a trama mostra o seu
potencial. Assim como fizera “Solaris”, “2001 – Uma Odisseia no Espaço”,
“Stalker” e “Contato”, este “A Chegada” constrói um questionamento muito
humanista e usa a ficção científica como desculpa para explorar o comportamento
humano, sem a pretensão de que cheguemos ao final da experiência com todas as
respostas, mas sim com questionamentos relevantes, algo muito mais valioso e
que já faz desse filme mais um grande clássico do gênero.
Direção: Denis Villeneuve
Elenco: Amy Adams, Jeremy Renner, Forrest Whitaker, Michael
Stuhlbarg, Tzi Ma
Roteiro: Eric Heisserer, baseado no conto “Story of Your Life”,
de Ted Chiang
Fotografia: Bradford Young
Montagem: Joe Walker
Música: Jóhann Jóhannsson
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"A Chegada" - Crítica da Semana
Reviewed by CultComentário
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13:52:00
Rating: 5
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